A dissertação de mestrado "Wakanda Forever: reivindicações de afrofuturos em torno do Pantera Negra Chadwick Boseman", de autoria de Alexandre Souza da Silva, conquistou a menção honrosa na edição de 2023 do Prêmio COMPÓS de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela. A pesquisa foi elaborada no âmbito do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, da Faculdade de Comunicação da UFBA, e teve orientação da professora Drª. Juliana Freire Gutmann
No trabalho, Alexandre analisa as conexões entre performances afrofuturistas, negritude e cultura pop em torno do ator Chadwick Boseman, conhecido por interpretar o personagem Pantera Negra. O estudo examina como a morte de Boseman em 2020, anunciada em um tweet, desencadeou uma rede de reivindicações afrodiásporas nas mídias digitais, especialmente no Twitter e Instagram.
Abaixo, conversamos com Alexandre Souza sobre sua dissertação e dialogamos sobre seu percurso na pesquisa, ao longo de sua trajetória acadêmica na Faculdade de Comunicação:
FACOM: O que lhe moveu a escrever sobre a negritude e cultura pop durante seu mestrado?
A.S.: O que me moveu foi a sensação de descoberta, de mim enquanto um pesquisador negro dentro da academia, e como eu poderia articular meus interesses pessoais com a escrita acadêmica. O lançamento do primeiro filme do Pantera Negra, em 2018, foi importante para eu observar o quão potentes eram os fenômenos envolvendo super heróis negros na cultura pop e como a negritude estava sendo reivindicada envolvendo a questão de representatividade negra nos filmes da Marvel, e como isso me possibilitaria escrever sobre um fenômeno ao qual eu estava imerso.
Acredito que dois pontos basilares guiaram a escrita dessa dissertação. O primeiro foi a minha aproximação e entendimento sobre o conceito de afrofuturismo. O filme Pantera Negra aborda essa temática de forma bem didática e imagética. Através do filme, eu pesquisei a origem das referências e como são construídas narrativas que reivindicam o protagonismo de corpos negros em obras de ficção científica e na construção de outros futuros possíveis.
Outro ponto basilar foi o falecimento prematuro do ator Chadwick Boseman, em 2020. Além de ter sido um baque a nível mundial, foi uma reviravolta na minha dissertação. Até então meus esforços estavam sendo guiados para analisar somente o filme enquanto uma produção fílmica e ponto final. Porém, um fenômeno como este ocorrendo diante dos meus olhos se apresentou como um desafio acadêmico a ser encarado. Nessa parte, a minha orientadora Juliana Gutmann me ajudou muito em como lidar com essa reviravolta envolvendo o tema da minha dissertação, e foi dessa maneira que eu investi em como estava sendo articulado o luto midiático em torno do Chadwick Boseman e como a imagem do ator se embaralhava com a do super herói T´Challa (Pantera Negra).
FACOM: Quais seriam esses afrofuturos, de acordo com os resultados de sua pesquisa?
A.S.: Durante a escrita e pesquisa da dissertação ficou evidente que a questão dos afrufuturos perpassa sensivelmente pelas crianças negras, pela possibilidade de novas gerações de garotas e garotos pretos crescerem tendo heróis e protagonistas negros como referência. Esse ponto surgiu principalmente pelo fato da minha pesquisa ter tido como achados um número elevado de posts nas redes sociais de crianças negras fantasiadas de Pantera Negra. O que revelou o potencial que envolve os quesitos da representatividade negra em produções do pop no imaginário infantil.
FACOM: Você deve ter acompanhado as manifestações contrárias à produção da Pequena Sereia com uma a atriz negra Halle Bailey. Acredita que situações como essas podem ser objetos de atenção de pesquisadores em Comunicação? Além disso, como graduandos e graduados que se interessam no tema podem manter-se alertas para encontrar possíveis objetos de pesquisas como esse?
A.S.: Sim! Tenho acompanhado todas as manifestações e racismos velados, alguns nem tantos, em relação ao papel da atriz Halle Bailey, em A Pequena Sereia. Acredito que fenômenos como estes podem e devem receber um olhar mais apurado e demorado dos pesquisadores de Comunicação. Este fenômeno envolvendo a obra da Disney se configura primeiramente como uma disputa por narrativa: até então a branquitude sempre protagonizou histórias que conquistam corações e mentes das pessoas seja filme, séries, desenhos animados e afins. Essa hegemônica cria uma falsa naturalização envolvendo aspectos imaginários e fabulados. Quando essa hegemonia começa a ser colocada em risco, ou seja, quando não se tem uma pessoa branca na centralidade narrativa, surgem manifestações racistas principalmente no campo fértil das redes sociais. Essa dinâmica tem marcado os fenômenos afrodiaspóricos da contemporaneidade, e acredito que essas dinâmicas racistas e disputas por narrativas devam ser pesquisadas de forma mais aprofundadas, afinal ali está em disputa a concretude de afrofuturos envolvendo crianças negras em crescerem tendo representações positivas nas produções pop.
O desafio do pesquisador está justamente em desvelar o véu da “realidade” que constantemente busca naturalizar tais coisas, e para tal função é necessário investir na leitura, existe uma vasta literatura de autores negros* que eu julgo de suma importância para todo e qualquer pesquisador ter em mente que existe outra forma de fazer ciência, de enxergar o mundo e os produtos da cultura pop.
FACOM: Você teve experiências anteriores com pesquisa, na graduação?
A.S.: Sim, na minha graduação em Produção em Comunicação e Cultura, na própria FACOM, eu fiz parte do grupo de pesquisa da professora Annamaria Jatobá, o Núcleo 3. Nessa época, eu fui me aproximando da área de pesquisa, o que me ajudou a formular o meu TCC, que teve como tema a relação entre consumo e identidade na cultura nerd, no qual eu já buscava uma articulação entre identidade e cultura pop.
FACOM: Quais desafios encontrou durante a pesquisa?
A.S.: Acredito que o principal desafio durante a pesquisa foi a pandemia Covid-19. Além de todo o cenário de quarentena, vírus, mortes e Necropolítica. Todas as minhas orientações e reuniões foram online, via Google Meet e afins, o que necessitou de um esforço e muito jogo de cintura de mim e da minha orientadora, em saber lidar com aquela situação e levar em frente a pesquisa.
FACOM: O que essa menção honrosa significa para você e para futuros pesquisadores e pesquisadoras que se interessam no tema?
A.S.: Essa menção honrosa é uma consolidação da minha vida acadêmica, mostra realmente que o caminho que tenho seguido tem gerado bons frutos. Fico muito feliz com o caminho que a minha dissertação vem ganhando nos últimos tempos. Isso só mostra como a estrutura da academia e das pesquisas em comunicação está começando a mudar, sendo mais aberta a fenômenos e filosofias afrodiaspóricas. Talvez isso indique para futuros pesquisadores que temáticas envolvendo identidade étnico-raciais são sim muito relevantes para a área de Comunicação no Brasil.
Autores mencionados: Stuart Hall (2013), Paul Gilroy (1993), Marimba Ani (1994), Aza Njeri (2015), Sueli Carneiro (2005) e Achille Mbembe (2018), Lélia Gonzalez (1988) e Abdias do Nascimento (1980).