De Olho no seu e-mail


BIG BROTHER QUER OLHAR O SEU E-MAIL

O Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei No. 9.296 de 24 de julho de 1996 que permite à policia interceptar comunicações telefônicas ou telemáticas. Com um simples acordo verbal, um juiz poderá autorizar o monitoramento (ele terá 24hs para fornecer uma autorização por escrito). Se no mundo dos “átomos” a invasão da privacidade é autorizada com um mandato escrito, no mundo dos “bits”, uma simples palavra basta? Como o crescimento do mundo “on-line” é vertiginoso no Brasil e no mundo, a questão da privacidade no ciberespaço torna-se cada vez mais preocupante.

A possibilidade de atentado à privacidade é enorme com as novas tecnologias: a publicidade pode invadir nosso e-mail (“spamming”) causando guerras (“flames”) na Redes; os cartões eletrônicos podem traçar nosso percurso pela vida real e servir como prova policial; os telefones celulares podem ser pirateados em “scanners”; o acesso às “Home Pages” pode servir de poderoso instrumento à empresas de marketing e publicidade, etc. Agora a justiça brasileira pode autorizar a policia a bisbilhotar trocas de mensagens eletrônicas. Os “cybercops” (ciberpoliciais), que já atuam nos países da Europa e EUA, vão finalmente nascer no Brasil. A Lei 9.296 toca diretamente a questão da privacidade e talvez cause a primeira guerra no ciberespaço brasileiro. Antes, gostaria de fazer uma pequena retrospectiva das guerras pelas quais já passou (e ainda passa) o ciberespaço, no que concerne a luta pela defesa da privacidade, para situar o contexto brasileiro em relação ao americano.

Podemos considerar que a primeira guerra do ciberespaço foi desencadeada pela operação "Sun Devil", no verão de 1990, onde os federais americanos saíram a caça dos hackers (prenderam vários em várias cidades americanas, sob alegações as mais esdrúxulas). A operação “Sun Devil” mostrou pela primeira vez a força de ataque dos hackers (verdadeiramente ameaçadora) e a vulnerabilidade dos sistemas eletrônicos. O despreparo e o desconhecimento do mundo digital por parte de advogados, juristas, e agentes federais os levaram às mais diversas aberrações: prenderam pessoas que estavam fazendo “role playing games” (Steve Jackson), hackers que copiaram documentos que, entretanto, estavam disponíveis em venda livre, etc. Efetivamente Big Brother não está morto. Como reação à operação Sun Devil foi criada a "Eletronic Frontier Foundation (EFF)" para defender os direitos dos cidadãos do ciberespaço.

A segunda guerra, que ainda não acabou, começa no movimento contra a implantação do chip “Clipper” pela inteligência americana. Esse chip, permitiria à “National Security Agency (NSA)” e ao “Federal Bureau of Investigation (FBI)” controlar as comunicações em todos os aparelhos de comunicação (telefones, faxs, modens). O “Clipper” seria assim instalado em todas as máquinas, como uma porta de entrada à qual só os federais teriam acesso. Obviamente o monitoramento requereria uma autorização judicial. Como reação surgem os “Cypherpunks”, ativistas que lutam pela privacidade na troca de informações eletrônicas, utilizando poderosos programas de criptografias de massa, como, por exemplo, o programa "Pretty Good Privacy" (PGP) concebido por Phil Zimmermann em 1991. Em 20 de julho de 1994, Al Gore, vice presidente americano, aceita as pressões e argumentações contrárias e volta atrás. O “NSA” tenta outras formas de “grampear” as comunicações ao tentar passar em outubro de 94 o "Digital Telephony Bill", que abre portas em centrais telefônicas para monitoramento. Hoje os americanos estão diante do “Clipper III, O Retorno”: uma nova lei de criptografia que permite ao usuário usar o sistema que quiser, mas obriga-o a fornecer a “chave”. Affaire à suivre...

A terceira guerra é a do “Cyberporn”, isto é, contra o “Communication Decency Act (CDA)” dos senadores americanos J. Exxon e S. Gordon, que tenta censurar a crescente pornografia da Internet. Foi decretada inconstitucional recentemente por três juizes federais americanos já que a livre troca de mensagens entre pessoas adultas é garantida pelo “First Amendment” da constituição. Para evitar o acesso às crianças, propõe-se aos pais que utilizem chaves eletrônicas que vetam o acesso a “sites”, “newsgroups”, “listas”, tidos como pornográficos. Mais uma vez surge uma reação em cadeia no ciberespaço contra o “CDA” (páginas em negro, abaixo assinados, fita azul).

Conclusão: a cada tentativa de censura ou controle da Rede surgiram formas de reações espontâneas, tentando garantir a liberdade individual e o livre fluxo de informações no ciberespaço. O movimento de defesa dos direitos dos "Netizens" é planetário. E no Brasil?

A Lei aprovada no Brasil em julho vai no sentido de dotar a polícia de uma ferramenta jurídica ágil para a escuta telefônica e o monitoramento da Rede. Acreditam que ela serviria para coibir, na sua maior parte, os crimes de colarinho branco e traficantes de drogas. Segundo alguns juristas, essa lei seria constitucional de acordo com o Artigo 5.XII da Constituição Federal. Algumas reações surgiram na Internet, como o abaixo assinado pela privacidade da recém-formada “Associação Nacional dos Uzuários da Internet - ANUI contra a forma como foi passada a Lei, isto é, sem nenhuma consulta ou debate com os usuários. Os primeiros cidadãos brasileiros da Rede começam a se manifestar.

A lei foi aprovada em julho e só agora começa a aparecer alguma reação. Curiosamente a imprensa (radio, televisão, jornais e revistas) pouco fala dessa lei. Seria interessante discutirmos sobre a própria lei em questão. O problema é que a maioria das pessoas que entendem de leis, desconhecem o mundo digital. Ainda assim seria oportuno colocar algumas questões: sob que alegações pode a polícia federal requisitar o monitoramento? Como teremos a certeza que nao existe “escuta” secreta e à revelia? A Lei e' mesmo constitucional? Bom, se ela e' constitucional, o uso da criptografia será efetivamente uma questão central do debate. Surge aí uma outra pergunta: a criptografia está regulamentada no país? Enquanto não temos as respostas, o melhor é ficar atento ao grande olho do Big Brother e criptografar suas mensagens.

O debate está aberto.

A íntegra da lei está disponível.

André Lemos (alemos@ufba.br) é doutor em sociologia pela Sorbonne. Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação/UFBA.

André L.M. Lemos é doutor em sociologia pela Sorbonne, professor e pesquisador do Programa de Pòs-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação (FACOM), UFBA/CNPq. E-mail: lemos@svn.com.br

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