A LIBERDADE NAS ONDAS.
CIBERATIVISTAS E A WIRELESS-FIDELITY.
Por André Lemos
Assim como Gibson e Sterling, acredito que a net oficial jamais conseguirá conter a web ou a contra-net – a pirataria de dados, as transmissões não autorizadas e o fluxo livre de informações não podem ser detidos.
Hakim Bay
A história da cibercultura é marcada por uma forte sinergia entre as instituições de pesquisa, as universidades, os militares, as grandes empresas e a cultura popular. No entanto, desta sinergia, a maior parte das grandes revoluções foram feitas pela cultura popular: artistas, designers, escritores, programadores, hackers e demais ciberativistas, foram fundamentais para a consolidação da sociedade da informação. A invenção da micro-informática, que surge como uma espécie de resistência ao poder militar e da IBM nos anos 70; a apropriação social da Internet que, criada por militares, se transformou no grande espaço de efervescência social do final do século XX - e será sem dúvida o grande terreno de transformações do século XXI - comprovam esta hipótese.
E esta cultura popular não pára. Desde o início
do ano passado, uma nova Zona Autônoma Temporária (TAZ)[1]
está sendo gestada: as comunidades sem fio (wireless communities), conhecidas como movimento Wi-Fi (wireless-fidelity ou wide-fidelity, que rima com Hi-Fi,
e utiliza o padrão 802.11b Ethernet sem fio).
Mistura de rádio pirata e web, o movimento tem o intuito de liberar
largura de banda (bandwidth) ociosa (de
usuários e empresas), através de conexões sem fio via
ondas de rádio, dando acesso gratuito aos usuários. Esta zonas são chamadas de wireless local area
networks (WLAN).
Em meio a debates crescentes sobre exclusão digital,
democratização e acesso às novas tecnologias, os ativistas
das comunidades sem fio estão construindo soluções simples
e criativas. Por exemplo, se você está no
Tompkins Square Park em Manhattan,
você pode ligar seu laptop
(munido de um cartão de rede ethernet sem fio – U$ 100) e navegar
na Internet debaixo de uma árvore, gratuitamente. No entanto, pequenos
problemas existem, como a frequência utilizada, que é a mesma de
micro-ondas e outros equipamentos, sujando o espectro e diminuindo a velocidade
da conexão, além de chuva e paredes que dificultam o acesso. Segundo
os defensores, esses pequenos bugs
serão resolvidos com a maturidade do movimento. O que importa é
colocar em pauta a democratização do acesso pelo espírito
de compartilhamento que fez da Internet um fenômeno social.
O grupo NYC Wireless (www.nycwireless.net) é um dos
responsáveis pela disseminação de zonas de conexão
livres, pequenas TAZs sem fio, em Nova York. Outras experiências
estão em curso ao redor do globo[2].
O gráfico abaixo mostra o esquema de conexão e algumas zonas de
acesso em NY[3].
Fonte. Associated Press
Em Strasbourg, na
França, estudantes da Université Louis Pasteur também se
lançaram na onda do wireless[4] e a gigante France Telecom se interessou
pela experiência e emprestou laptops e palms para a
recepção. Em Seattle a coisa também pegou. Matt Westervelt
e alguns amigos subiram no telhado de suas casas, colocaram antenas e
construíram uma rede sem fio de alta velocidade em junho de 2001. Eles
conseguiram “acessar seus computadores de casa, jogar online enquanto
assistem vídeos em seus assistentes pessoais – tudo na velocidade
de 11 megabits por segundo, mais rápido do que qualquer operador de
telefonia celular ou provedor sem fio
podem oferecer” [5].
Mas há resistências. Vários
provedores proíbem a retransmissão, como por exemplo a AOL que
veta, em seu contrato, a disponibilização (eles consideram como sublocação)
da sua conexão a terceiros. No fundo os provedores não querem nem
saber se você usa ou não a totalidade da sua largura de banda.
Aliás o lucro deles vem também daí[6].
Outros afirmam que a falta de segurança é um limitador da
idéia. Especialistas mostram que a rede não é segura,
já que vândalos cibernéticos (crackers) poderiam se apropriar da livre conexão
para disseminar vírus ou roubar cartões de crédito. Crackers e hackers, que dispõem do acesso das
áreas públicas destas redes podem, facilmente, invadir sistemas
através da criação de uma falsa mensagem de
desconexão. No entanto, a falta de segurança não é
exclusividade do wireless[7], como mostra a ação de hackers e crackers ao
redor do mundo.
O movimento de liberação de banda
larga pelas ondas de rádio não é tão novo assim e
remete a pioneiros da Ethernet como Brewster Kahle, fundador da SFLan. Hoje os
ativistas buscam construir redes sem fio em diversos pontos das cidades dentro
do espírito da anarquia cooperativa e distributiva do sistema Linux, do
Napster e outros sistemas abertos ou de conexão ponto a ponto. Os
defensores do free wireless
estão conclamando todos aqueles que possuem uma conexão de alta
velocidade (cabo, DSL, T1) a “emprestarem”, gratuitamente, sua
largura de banda para o público.
O compartilhamento de informação (“a
informação quer ser livre”), lema da contracultura digital, é enriquecido
agora pelo compartilhamento de largura de banda, buscando democratizar o acesso
ao ciberespaço. Os
ciberativistas encorajam a confecção de antenas rudimentares que
transmitem ondas de rádio para computadores reciclados rodando o sistema
aberto Linux. A idéia é, como no mais nobre hacking, bancar o Robin Hood da informática,
tirar (sem roubar e sem privar) a bandwidth dos ricos para dar aos comuns dos mortais. Para Adam Shand
do Portland's Personal Telco Project, de Portland, "nos estamos
tentando trazer a Internet de volta aos velhos tempos, antes que o interesse
comercial a dominasse"[8]. Espera-se ainda criar redes ponto a ponto
ligando casas, escolas, cafeterias. Como afirma James Stevens, da
London’s Consumer em Londres, "a questão deve ser, como
devemos distribuir esses recursos às pessoas que não têm?.
Se você possui uma linha DSL de 2 megabit/s no seu trabalho e todos
fecham as portas as cinco, esta linha está disponível. Ela pode
ser ajustada para uso público"[9].
A
idéia é criar uma forma de acesso paralelo à Internet ou
mesmo uma Internet paralela. O movimento Wi-Fi mostra que as zonas de
libertação do ciberespaço continuam a existir, apesar do
pessimismo e do descrédito atual. O sistema continua a evoluir no caos,
criando novas TAZ. O que chamei de “napsterização da
rede”, que consiste em compartilhar dados com outros, ponto a ponto,
não morreu com o Napster e só faz crescer, aumentando a
capilarização das conexões no ciberespaço. Agora,
além de compartilhar arquivos de texto, música e vídeos, o
movimento Wi-Fi quer compartilhar, gratuitamente, largura de banda. Como afirma
uma ativista, "você não pode estocar largura de banda. Se
você não a usa, ela é desperdiçada "[10]. A liberdade do ciberespaço poderá esta vindo
pelos ares.
Sites de Referência
http://www.wirelessethernet.org/
http://www.personaltelco.net
http://www.nycwireless.net
http://www.wi-fi.org
http://www.personaltelco.net/index.cgi/WirelessCommunities
http://www.nycwireless.net/press/apwire20010804.html
http://www.nycwireless.net/press/newsday20011014.html
http://www.nycwireless.net/press/nydailynews20011023.html
http://www.nycwireless.net/press/pcmag20011127.html
http://www.nycwireless.net/press/villagevoice20010815.html
http://www.personaltelco.net/index.cgi/WirelessCommunities
http://www.nycwireless.net/faq.html
Bay, Hakin., TAZ. Zona Autônoma Temporária., sp., Conrad Livros., 2001., p.34.
Cave, Damien., Unchaining the Net., in Salon Magazine., in
http://www.salon.com/tech/feature/2000/12/01/wireless_ethernet/index.html
Groison, David., Les Étudiants Strasbourgeois, pionniers du surf sans fils., in Libération,
in http://www.liberation.fr/quotidien/semaine/020306-045023034INTE.html
InfoWorld. 14 fevereiro de 2002., in http://www.infoworld.com
Krane, Jim, Digital activists want to share the Internet's wealth -- er, bandwidth., In
http://www.nycwireless.net/press/apwire20010804.html
Machrone, Bill, The People's Wireless Web, PC Magazine, in
http://www.nycwireless.net/press/pcmag20011127.html
Megna, Michelle., In the Zone: Wireless areas around the city let you access the Internet
for free., NY Daily News., In
http://www.nycwireless.net/press/nydailynews20011023.html
Meyers, Peter, Motley Crew Beams No-Cost Broadband to New York High Speed
Freed, Village Voice, in
http://www.nycwireless.net/press/villagevoice20010815.html
Thompson,
Clive., Geeks Worldwide Unite to Wire Up Their
Communities, in Newsday,
[1] Bay, Hakin., TAZ. Zona Autônoma Temporária.,
sp., Conrad Livros., 2001., p.34.
[2] Veja o site http://www.personaltelco.net/index.cgi/WirelessCommunities,
que traz uma relação de comunidades no planeta.
[3] Nos Estados Unidos (Nova York, Portland, São
Francisco[3], Seattle,
Boston), Ásia, Oceania, Europa e mesmo na América do
Sul (há uma
experiência no Chile) grupos de ciberativistas estão implementando
redes de alta velocidade e gratuitas. Outras comunidades existem ao redor dos
EUA como a Guerrilla.net of Cambridge, Mass., Consume.net de Londres e SFLan de
San Francisco. Em Seattle, Westervelt criou o Seattle Wireless que já
conta com 30 participantes.
[4] Groison, David., Les
Étudiants Strasbourgeois, pionniers du surf sans fils., in Libération, in http://www.liberation.fr/quotidien/semaine/020306-045023034INTE.html
[5]
Cave, Damien., Unchaining the Net., in Salon Magazine., in http://www.salon.com/tech/feature/2000/12/01/wireless_ethernet/index.html
[6] Thompson, Clive., op.cit.
[7] De acordo com
InfoWorld, um novo padrão de segurança para o Wi-Fi, denominado Protocolo do Código de
Integridade Temporal (TKIP),
irá modificar o código de
criptografia das redes a cada 10.000 pacotes de dados transmitidos para
torná-los mais seguros.Ver InforWorld, 14 fevereiro de 2002.
[8] Krane, Jim., op.cit.
[9] Krane, Jim, op.cit.
[10] Krane, Jim, op. cit.