A ARTE DA VIDA.

DIÁRIOS PESSOAIS E WEBCAMS NA INTERNET[1]

                                                                                                                       

André Lemos[2]

 

“I’am going to write whatever I think, whatever happens to me, and let the world be my judge”

Bryon Sutherlend, ciberdiarista

 

 “Folks connect with honesty. Intentions come through in the speed of the surf. This may be a new medium, but I got old messages - be yourself, feel the force, and share alike”

Justin Hall, ciberdiarista

(Smolan, Erwitt, 1996)

 

 

O fenômeno das webcams e dos diários pessoais na Internet pode ser explicado pela conjunção do trinômio “tecnologia-design-estética”. Trata-se de formas de expressão individuais, construidas através de tecnologias de design de hipertextos (sites) e de emissão de imagens (câmeras). Com as webcams e os diários pessoais explicita-se o espetáculo da tecnologia como forma de estética social, de proxemia, de contato. O ciberespaço é, aqui, utilizado como um hipertexto social (Erickson, 1996)., como uma forma de aisthanesthai, possibilitando a construção identitária e coletiva, revelando mais uma particularidade da cibersocialidade (Lemos, 1999).

 

A emergência dessas páginas pessoais está associada a novas possibilidades que as tecnologias do ciberespaço trazem de liberação do pólo da emissão, diferentemente dos mass media que sempre controlaram as diversas modalidades comunicativas. Esta liberação do emissor (relativa, como toda liberdade, mas ampliada em relação aos mass media) cria o atual excesso de informação, mas também possibilita expressões livres, múltiplas. O excesso, paradoxalmente, permite a pluralização de vozes e, efetivamente, o contato social.

 

Existem sites variados sobre webcams e ciberdiaristas na Rede. Sobre webcams há sites que transmitem imagens de uma geladeira, de um cinzeiro, ou de um banheiro, até sites comerciais de sexo. No que se refere aos diários pessoais, ou ciberdiários, estes podem ser encontrados em weblogs e outros formatos de páginas pessoais, onde pessoas as mais diversas escrevem quotidianamente sobre suas vidas privadas.

 

Webcams

 

Webcams são câmeras que, ligadas a computadores com acesso à Internet, podem fazer de qualquer usuário um emissor de imagens. Baratas e de fácil utilização, as webcams tornam-se um fenômeno social muito interessante dentro da grande rede telemática mundial. Com as webcams, internautas exibem suas vidas 24 horas por dia. Em qualquer lugar você pode vê-los dormindo, trocando de roupa, indo ao banheiro, etc... Existem também webcams que transmitem o trânsito de uma determinada rua ou que mostram partes de uma determinada cidade. Mas o que nos interessa aqui sao as webcams pessoais.

 

Como exemplo temos a analise de Shaviro sobre Jennicam, uma das pioneiras na internet. Ele afirma:

 

“The Internet brings Jenni to my desktop, but it doesn't give me access to her dreams. And that's the paradox of the Jennicam. Its pictures are intimate, but not revealing. They show me everything, but tell me nothing. She doesn't do anything special for her audience. Nothing about her life is unusual, except for the fact that she has opened it to the public. (Shaviro, 1999)

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Artistas e usuários comuns têm especulado sobre o fenômeno das webcams. Para alguns, trata-se de uma forma de exibição pública, de voyerismo, de auto-vigilância, assim como uma maneira banal de divertimento, configurando-se como uma nova forma de exibicionismo, narcisismo ou auto-disciplina. Mas podemos ir além desta argumentação. Trata-se de reconhecer que, com webcams e ciberiários, o desejo de se conectar aos outros e de expressar sua vida comum e banal como “arte” (sites, diários literários, exposição de fotos, filmes, etc.) pode revelar uma resposta ao enfraquecimento da dimensão social do espaço público. Estamos diante de um interessante fenômeno social. Com efeito, podemos afirmar que a apropriação das páginas pessoais para ciberdiários ou para webcams reflete um desejo de expressão pessoal e de conexão, talvez como reação (involuntária, induzida também pelo meio) ao controle dos mass media e ao esvaziamento do espaço público.

 

Podemos nos interrogar se essa pática, como afirma Daniel Chandler, favorece novas construções de imagens identitárias, já que a mostração pública do corpo através das webcams serve como aquilo que Goffman chamou de “apresentação do eu na vida quotidiana”. A publicização de si é uma forma de construção identitária. Para Chandler, such cameras serve to shift personal space to public space even more than personal home pages do” (Chandler, 1996). Voltaremos a este tópico mais adiante.

 

Ciberdiários

 

Ciberdiários, webdiários ou weblogs[3] são práticas contemporâneas de escrita online, onde usuários comuns escrevem sobre suas vidas privadas, sobre suas áreas de interesse pessoais ou sobre outros aspectos da cultura contemporânea[4]. O termo weblog foi criado no site pessoal “Robot Wisdom Weblog” em dezembro de 1997:

 

“weblog (sometimes called a blog or a newspage or a filter) is a webpage where a weblogger (sometimes called a blogger, or a pre-surfer) 'logs' all the other webpages she finds interesting. The format is normally to add the newest entry at the top of the page, so that repeat visitors can catch up by simply reading down the page until they reach a link they saw on their last visit.” (Barger, 1999).

 

A internet serve, assim, como uma forma de escoamento de discursos pessoais que foram há muito tempo inibidos pelos mass media. Trata-se, portanto, de uma apropriação social da web como forma de reeditar práticas antigas como os diários pessoias. Se estes eram, na maioria das vêzes, privados, os ciberdiários aceitam a publicização do meio telemático e criam diários públicos pessoais (que, por sua vez, agregam-se em pequenas comunidades). A prática dos ciberdiários revela, como afirma Joaquín Romero, em “El futuro del Livro” que “a literatura  é a arte da palavra e não do papel” (Romero, apud Moraes, 2001:93). Isso se encaixa muito bem na análise dos ciberdiários. Para Denis de Moraes, com os meios eletrônicos a literatura sem papel ganha um novo essor, já que “os materias literários alastram-se pela Internet com rara e imprevista desenvoltura”  (Moraes, 2001:93).

 

A web está povoada de milhares de sites literários. Esta constatação mostra, evidentemente, a liberação do pólo da emissão, com sites de diaristas comuns ao lado de sites de escritores premiados. O crescimento do material literário na rede pressupõe o reconhecimento do ciberespaço como dinamizador do pólo da emissão, possibilitando a liberdade de disponibilização de textos. Como afirma Moraes, “a facilidade de publicar está na raiz de um fenômeno comunicacional já mencionado: as difusões pela Internet escavam brechas nos controles da grande mídia” (Moraes, 2001:100). Assim, seria fácil descartar os diaristas como exibicionistas doentios - embora entre eles existam alguns - mas outros são excelentes escritores, estando além da mera diarréia de palavras...

 

O fato de ser um hipertexto eletrônico diferencia os ciberdiários dos antigos diários pessoias já que o formato hipertextual (atualização constante, de qualquer lugar e em tempo real, com utilização de links e outros recursos audiovisuais, alcançe planetário e imediato…) e a publicização não faziam parte das experiências com diários em papel. Revela-se, mais uma vez, o efeito da tecnologia sobre os fenômenos espaciais e as relações sociais: a privatização do espaço público e a publicização do espaço privado. No entanto, os diários online e os antigos diários pessoias são autoficção narcisísticas, reconstrução identitária, expressão de individualidades.

 

Brasil

 

Os ciberdiaristas brasileiros crescem na internet, principalmente através de weblogs, onde já existe uma comunidade chamada de “vizinhança”. O termo aqui não é fortuito, revelando o caráter ao mesmo tempo individual e coletivos dessa prática. Isto reforça, nos meios eletrônicos, formas de sociabilidade agregadoras e empáticas (Lemos, 1999). Por exemplo, o site brasileiro Arredores[5] é um dos mais importantes agrupamentos de diaristas. Vejamos alguns exemplos:

 

Do Blog ABBA:

“ESTOU me sentindo bem melhor para escrever aqui. Hoje não fiz nada, concelei meus compromissos [como se eu tivesse muitos] e fiquei vendo Quero Ser John Malkovich. Todo mundo falou tanto que eu esperava mais. Apesar de interessante a novidade passa rápido. Mas é bom ver algo diferente de vez em quando... “.

 

Do Blog Cotidiano     

“Esquina da Ipiranga com a São João... Cartão Postal de São Paulo? Esquina da Boêmia? Não!!! Apenas mais um pedaço esquecido do centro velho. E justamente nessa esquina eu e outras 20 pessoas estamos esperando abrir o sinal para atravessar a rua quando passa por nós uma dessas peruas alternativas  (…). A perua passa na velocidade permitida naquele local (150 km/h) e de repente alguém lá de dentro joga água (espero!!!) na cara de todo mundo que estava ali esperando o sinal abrir… O sinal abre e lá vou para a 24 de maio almoçar no Firenze.”

 

Diariamente surgem novos serviços em português e o crescimento do fenômeno no Brasil é evidente. Os dados mundiais são significativos. Hoje há cerca de 800 mil dessas páginas nos quatros sites mais conhecidos no mundo. Há um ano, não chegavam a 200 mil. Muitas são de brasileiros, mas não há estatísticas precisas. Para o país, o único dado disponível é do site Weblogger Brasil que, em um mês de lançado, já chega a 4.000 blogs. Mas estes dados são apenas a ponta do iceberg, já que vários diaristas pessoais não utilizam esses sites, devendo acrescentar aqui todas as páginas pessoais que não são blogs.

 

Contardo Calligaris, autor de "Crônicas do Individualismo Cotidiano", em matéria na Folha de São Paulo, afirma que o fenômeno dos diários pessoais encaixam-se nas atividades da vida quotidiana nas grandes metrópoles mundiais. Para Calligaris,

 

"nos centros urbanos, nossa identidade social depende do olhar dos outros, da forma como eles nos percebem e nos reconhecem. Não importa onde nascemos nem em que família. Então, precisamos atrair a atenção do outro para garantir a nossa identidade. Por isso vamos ao cabeleireiro, fazemos tatuagens, usamos roupas bonitas e contamos nossas vidas em "blogs'” (Versignassi, 2001).

 

Philippe Lejeune, professor de literatura da Universidade de Paris, publicou no começo deste ano um estudo sobre o recente fenômeno dos blogs. Lejeune afirma que a maioria dos "blogueiros" franceses fizeram suas páginas logo após um momento de forte depressão, para "botar o lixo para fora". Estes viram seus problemas desestigmatizados ao perceberem que casos semelhantes ocorriam com os outros. Assim, como afirma um ciberdiarista, "eu faço meu "blog" para falar o que eu quero. Se alguém quiser ler, ótimo. Se não quiser, não tem problema". (Versignassi, 2001).

 

Forma de sociabilização e de expressão individual, os diários online mostram uma forma de luta contra a desespacialização e o enfraquecimento da esfera pública. Como afirma o psicanalista Jorge Forbes:

 

"A passagem da industrialização para a globalização destruiu os ideais comuns, e o mundo ficou "desbussolado". Na euforia depressiva, as pessoas sentem necessidade de escrever -ou seja, firmar um novo contrato com a língua, o mais forte instrumento de identificação do ser humano como humano. E quando o ser humano se reinventa, isso, como toda a invenção, só faz sentido, só existe, se é conhecido pelo outro, independentemente de quem seja esse outro." (Versignassi, 2001).

 

Para Maria Ercília, jornalista, o fenômeno dos diários pessoais é fascinante, revelando a expressividade pessoal e agregação social. Ela afirma:

 

“foi quando descobri o site de Justin Hall, um garoto que tem um diário na  Web há anos. Fiquei doida. Que negócio era aquilo, aquele cara aparentemente normal, contando toda a sua vida para estranhos. Tudo mesmo. Bebedeiras, divagações à toa, sexo, fotos de Justin pelado. Comecei a ler a página, mais  para tentar entender o que levava uma  pessoa a fazer da sua vida um livro aberto de verdade. Narcisismo? Vaidade?  Uma necessidade genuína de se  expressar? Não cheguei a uma conclusão, mas percebi  que um bom diarista nunca fica sem  leitores -comecei a acompanhar a vida deJustin como quem segue uma novela. Ele foi viajar para Honduras, voltou, cortou  o cabelo, arrumou uma gatinha, arrumou outra...Mais tarde encontrei outros diaristas, alguns muito chatos. Outros geniais. Alguns fazem um mix de confissões, fotos etc, outros apenas fazem anotações soltas”.(Ercilia, 2001)

 

Vemos claramento que, com as webcams e os diários pessoais, há uma relação onde o público e o privado se confundem, onde a transparência total da era informacional (Castells, 1996) parece atingir seu paroxismo. Como exemplo, podemos apontar fenômenos muito parecidos, embora de carater bem diferenciado, como as emissões televisivas “Loft Story”, na França ou “Big Brother”, em Portugal.

 

No ciberespaço, o público e privado se confundem como nunca, e os diaristas e usuários de webcams experimentam um exercício de emissão e de construção de imagens identitárias, abolindo as fronteiras entre eles e o  mundo. Aí está toda a diferença em relação à televisão: a liberdade do pólo de emissão que faz com que qualquer um possa expressar-se livremente. Por exemplo, Alexis Massie, que mantêm o site AfterDinner, diz: "Não sei se o que faço é bom. Sei que umas cem pessoas, todos os dias me perguntam o que aconteceu ontem, e elas estão realmente  interessadas. Isto é algo que muita gente jamais experimenta".  O resultado é uma rede paralela, uma pequena comunidade virtual à parte e muito além da internet dos portais e do comércio eletrônico (Lemos, 2000). Como afirma a designer carioca Lia Caldas, "as pessoas conversam entre os "blogs", fazem links, citam o que um escreveu, o que o outro comentou. Vira uma pequena comunidade",

 

Vejamos a interessante pesquisa de Carvalho (2001) que analisou alguns diáristas, sendo acompanhados cinco autores brasileiros entre 23 e 29 anos, todos hospedados no site Blogger. Os sites escolhidos foram Zel (www.mundissa.com/zel), Amnésia (amnesia.tux.nu), Boneca (boneca.blogspot.com), Tiago Teixeira (www.tiagoteixeira.com.br/blog/weblog.php), Let's blogar (http://www.letsvamos.com/letsblogar).

 

Uma primeira observação diz respeito ao estilo do texto, onde vários diaristas dialogam direto com seus leitores virtual. No entanto, a sua característica principal é a possibilidade livre de emissão, já que qualquer pessoa pode criar e manter um diário virtual em poucos minutos. Outra característica levantada por Carvalho é “a vontade de se manifestar…”. O estudo mostra também a pluralidade do fenômeno. Assim, “o surgimento de tipos de diários segundo as diferentes relações entre autor e leitor, a utilização de recursos hipertextuais e, por fim, a formação de comunidades”. Os diaristas também agem de maneira complexa:

 

“os diários se configuram de maneira bastante distintas. Há aqueles que mantêm a prática manuscrita de relatar acontecimentos íntimos do cotidiano do autor, aqueles que se apresentam como uma versão "comedida" destes mesmos relatos, intercalando informações de todo tipo com relatos íntimos, e aqueles diários que se apresentam como jornais pessoais, onde o autor comenta livros, discos e todo tipo de acontecimento.” (Carvalho, 2001).

 

Escrita e Construção de Si

 

As tecnologias digitais têm impacto na estrutura cognitiva do indivíduo, como todas as tecnologias de comunicação. Partindo de Berger e Luckman (67), podemos afirmar que os indivíduos constróem suas realidades sociais, onde cada pessoa percebe, interpreta e define informação, objetos ou outros indivíduos a partir de sua própria visão da realidade. Neste sentido a realidade é uma construção social coletiva e ao mesmo tempo individual.

 

Da mesma forma, Mead mostra como a formação do “I”, do “Me” e do “Other” atua na construção identitária e social. O “Me” “é a imagem do self que é construido a partir das atitudes dos outros individuos ou das instituicoes sociais” (Mead, 1934:194). Isto se refere a como a pessoa sente que os outros indivíduos a percebem. O “I” “é a resposta que o indivíduo dá ao mundo social” (Mead, 1934:196), ela é a avaliação e a expressão, dada a informação apresentada do Me. O “Other” “é a entidade que o indivíduo controi que leva em conta as atitudes gerais dos grupos sociais e da sociedade” (Mead, 1934:155). Através deste outro genérico, um indivíduo pode construir expectativas sobre o que os indivíduos irão pensar das várias e diversas situações sociais. É o que caracteriza a prática das webcams e dos ciberdiários.

 

Os fenômenos das webcams e dos diários pessoais podem ser considerados com formas de escrita de si, já que tanto na contrução da imagem através de câmeras pessoais, como nos fenômenos de publicização de diários íntimos, o que está em jogo são formas de apresentação do eu no ciberpespaço. Se para Goffman (1969) o indivíduo se apresenta a partir do exercíco de papéis em várias situações do dia a dia, podemos dizer que com as webcams e os ciberdiários estamos construindo uma imagem nesta nova dimensão da vida quotidiana que é o ciberespaço. As páginas pessoais são formas de contrução de uma imagem identitária, mesmo que esta seja sempre fragmentada e plural. Não é à toa que os diversos websites estão, de forma sintomática, permanentemente em construção (under construction).

 

Algumas experiências na web possuem esta potência particular para caracterizá-la, também, como um ambiente literário, ou de escrita em sentido amplo. Como afirma Miller, “in particular, personal home pages can be seen as reflecting the construction of their makers' identities. Creating such pages offers an unrivalled opportunity for self-presentation in relation to any dimension of social and personal identity...” (Miller, 1995). Neste sentido, a experiência modela a apresentação de si no ciberespaço, no domínio público das redes telemáticas.

 

Podemos interpretar a teatralidade quotidiana como algo existente nos fenômenos aqui analisados. Por exemplo, vejamos alguns depoimentos: Steven Rubio afirma: 'When you visit my home page, you don't get to meet me, but only my presentation of myself' (Rubio 1996). Ou Mike Sandbothe, que escreve:: 'My Web page... mediatively interacts with other people in my absence... The particularity in the World Wide Web's media structure lies not least in this new dimension... that of a so-to-speak "a-present" interactivity independent of my real presence”. Já para outro ciberdiarista, os ciberdiários são “form of self-advertisement they [personal home pages] have extraordinary bandwidth (compared to, for example, a style of dress)' (e-mail message 9/11/96). (…) more like texts on paper than face-to-face interaction but a comparison with paper-bound forms can be carried too far. (Sandboth, 1996).

 

Na verdade, as home pages pessoais mediam, de forma ampliada, a relação entre o público e o privado. O próprio nome indica esse contexto. Como afirma John Seabrook “ uma casa é um mundo real, entre outras coisas, um modo de manter o mundo externo fora do meu alcance. Uma casa online (home page), por outro lado é uma espécie de furo que faço na parede da minha casa real por onde o mundo pode entrar.” (Seabrook, 1995). Já Sherry Turkle aponta que “one's identity emerges from whom one knows, one's associations and connections” (Turkle, 1996: 258). Assim, a regra geral parece ser: “Show me what your links are, and I'll tell you what kind of person you are” (Miller, 1995).

 

Além das contribuições de Berger e Luckman (1967) e Irving Goffman (1969), podemos agora tartar dos atores de home pages pessoais com bricoleurs high-tech. A noção de bricoleur em Levy-Strauss está vinculada àquele que se apropria de materiais os mais diversos, realizando colagens e apropriações diversificadas de procedimentos e objetos (Lévi-Strauss 1974). Desta forma, “constructing a personal home page involves bricolage: very few home page authors create a page entirely from scratch. But another dimension of bricolage is that the appropriation of materials is part of the construction of the bricoleur's identity (Jenkins, apud Chandler, 1997)”. Trata-se de bricolagem de imagens, sons, textos e da própria imagem. Como afirma Tristan, “it helps to define who I am. Before I start to look at/write about something then I'm often not sure what my feelings are, but after having done so, I can at least have more of an idea'” (Jenkins, apud Chandler,1997).

 

O ciberespaço é, assim, muito mais do que uma forma técnica de publicização e de recuperação de informação, uma rede de interconexões tácteis, socias, caracterizando-o como um enorme hipertexo social (Erickson, 1996). A web e suas páginas pessoais podem ser vistas como formatos fluidos de construção de imagens identitárias. Como escreve um outro diarista: 'My Web page is... in some cases even the creative invention of a new self, of a new identity, which I had previously hidden from myself and others' (Sandbothe, 1996). Portanto, as home pages pessoais revelam a rede não apenas como um hipertexto informativo, mas como um hipertexto social complexo.

 

Steven Rubio evoca Dickinson com a frase “I’m nobody”. Rubio explora a relação do “eu sou ninguém” com a construção identitárias nas Home Pages pessoais. Estas páginas são, assim, “une véritable expérimentation narrative et identitaire” (Robin, 1997:264). O propósito de Rubio é que, como “ninguém”,  je tiens mon journal sur le Net et je le rends public précisément parce que je n’ai rien a dire” (apud Robin, 97). O “meu nome é ninguem” é uma forma de escapar dos cânones da arte e da ciência. Esta banalidade permite que “ninguém” (ou seja “todo mundo”) possa ser ouvido, faz dessas experiências algo interessante sob o ponto de vista social, político e comunicacional.

 

Régine Robin (1997) sustenta que a internet é um espaço de exploração de novas formas de identidade. As páginas pessoais podem, assim como os muds e as várias outras formas de contato social telemático (chats, fóruns, icq, etc.), servir como instrumento de construção identitária e como forma de socialização, como vimos anteriormente. Para Robin “Internet suprime les médiations” (Robin, 97:264) e pode assim servir como suporte de construção identitária desse moi morcelé, fragmenté, dissocié, sturé ou multiplié, si malmené dans la ‘vie réelle’”(Robin, 97:264). Trata-se de reflexões cotidianas e íntimas, uma apresentação nua, crua e direta da vida de todo dia. Para Robin os ciberdiaristas buscam

 

“la célébrité quelques minutes pour tout un chacun mais, dans ce cas-si, ces quelques minutes peuvent se transformer en présent éternel. Le Web se rév`ele être, sans quíl y ait toujours innovation, un immense réservoir d’écritures intimes et ordinaires (…) on écrit pour se chercher, se trouver, se compreendre, se mettre en scene et se raconter” (…) “à défault de véritables expériences identitaires nouvelles, nous avons affaire à une revivescence de l’écrit, à la promotion d’écritures ordinaires qui seraient restées anonymes sans le recours à ces nouveaux medium.” (Robin, 97:272).

 

E o paradoxo é justamente o carater íntimo e necessariamante público, de uma narrativa pessoal, individual e ao mesmo tempo coletivizada. Nesse sentido o fenômeno dos ciberdiários e webcams são característicos de “nouvelles rencontres, nouveaux interlocuteurs, nouvelles formes de sociabilité” (Robin, 97:273).

 

Conclusão

 

Este trabalho discutiu fenômenos recentes de utilização pessoal da Internet como as webcams pessoais e os diários íntimos. Fenômeno social efervescente, estes estão longe de serem um mero instrumento de isolamento ou de simples narcisimo. O que parece estar em jogo é a tomada do pólo da emissão pelo usuário comum. Visamos assim mostrar a estetização da vida quotidiana propiciada pelo ciberespaço e as novas tecnologias digitais. Webcams, weblogs e outros tipos de ciberdiários fazem parte da rede como forma de apropriação do pólo da emissão, assim como pela constituição de novas formas de construção identitária. Trata-se de uma prática crescente de escrita social, pluralizando discursos.

 

Esses fenômenos contemporâneos fazem parte da crescente publicização do espaço privado radicalizado pelas novas tecnologias de base microeletrônica. Assim, pequenas câmeras digitais, baratas e de fácil utilização, mostram, 24h por dia, a intimidade de alguns internautas. Os diários pessoais, da mesma maneira, publicizam informações íntimas dos internautas numa nova versão dos antigos diários pessoais, agora tornados públicos de forma voluntária. Em meio a debates calorosos sobre a invasão da vida privada, as webcams e os diários pessoais visam, na contracorrente, revelar a vida íntima, o quotidiano de pessoas banais. Vejamos as palavras de Natacha Merrit:

 

"I never wanted to be an artist. These photographs just happened at a time when I need to document my life. They act as a replica of what I see. There are those times when documenting has helped me to live. Times when I simply need to continue living in order to photograph. So I am happy that my work consists of living.” (Merrit, 2000).

 

No entanto, não há nenhum interesse maior em ver pessoas acordando, comendo, indo ao banheiro nas webcams, ou ler sobre esses mesmos hábitos em diários pessoais na Internet. Trata-se, como hipótese, apenas de novos formatos sociais que visam compartilhar, a distância e em tempo real, a vida como ela é, como diria Nelson Rodrigues; de fazer da vida ordinária uma obra de arte. Assim, "o diário, antes um produto de foro íntimo, ao entrar na rede transforma o seu caráter. Perde a condição de narrativa privada, íntima, solitária, e ganha a publicidade própria do ambiente da Internet.  (Carvalho 2000).

 

A vida comum transforma-se em algo espetacular, compartilhada por milhões de olhos potenciais. E não se trata de nenhum evento emocionante. Não há histórias, aventuras, enredos complexos ou desfechos maravilhosos. Na realidade, nada acontece, a não ser a vida banal, elevada ao estado de arte pura. A vida privada, revelada pelas webcams e diários pessoais, é transformada em um espetáculo para olhos curiosos, e este espetáculo é a vida vivida na sua banalidade radical. A máxima é: “minha vida é como a sua, logo tranquilize-se, estamos todos na banalidade do quotidiano”.

 

Os ciberdiários e as webcams são práticas individuais e coletivas de emissão de imagens e de palavras escritas pelo ciberespaço. Práticas que misturam o ficional com o verossímel, a construção e a apresentação de si, os fenômenos apresentados aqui mostram que o ciberespaço é mais um meio de sociabilização na atual cultura e é, sem dúvida, meio de expressão de si, seja sob a forma ficcional, imagética ou confessional. Trata-se de uma prática banal, aproximando-se da aisthesis, da emoção compartilhada, do fazer artístico como poiésis, como produção (Agamben, 1996). Esta produção aumenta a entropia do sistema (a Rede) torrnando plural a emissão de discursos.

 

Mesmo que não possuam pretensão artística, cinematográfica ou literária, o fenômeno diz muito sobre a sociabilidade contemporânea e as formas mediáticas da cultura. O ciberespaço faz com que qualquer um possa não só ser consumidor mas, também, produtor de informação. A liberação do pólo da emissão parecer ser um dos motivos para a efervescência desses fenômenos. O que pode parecer um fenômeno minoritário e sem importância, reveste-se, na realidade, no sintoma da nossa época, ou seja, a democratização da comunicação, a elevação da vida banal ao estado de "arte", o compartilhar esse novo espaço com e através do "outro" criando assim um verdadeiro fenômeno comunicacional e social.

 

Os adeptos das webcams e os diaristas digitais querem participar, com o que têm, do fluxo mundial de informação. Trata-se, é certo, de uma religiosidade social que me faz aderir ao outro. Note-se aqui a obra de Pirandello (Pirandello, 2001), Rimbaud (“je est un autre”) e Sartre (“l’enfer c’est l’autre”) onde a relação com o outro é, ao mesmo tempo, contraditória e constitutiva da subjetividade. Participar, a partir desta visão espetacular, da vida banal de uma outra pessoa, me faz sentir re-ligado, próximo. Com as webcams e os diários pessoais não estamos sozinhos quando olhos estranhos nos espreitam. Compartilhando a banalidade podemos suportar melhor a existência. E o mesmo acontece com aquele que é visto, já que ser visto é também estar junto. Revelar a privacidade é aqui um exercício que pode e deve permitir a conexão. No fundo estamos sempre lutando contra a solidão, contra o desencontro e o estranhamento.

 

 

 

 

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Sites sobre Ciberdiários

 

GrokSoup

http://www.groksoup.com/                                          

Squishdot

http://squishdot.org/                                          

Grohol

http://www.grohol.com/

Pitas

http://www.pitas.com/

Edit This Page

http://www.editthispage.com/                                           

Weblogue

http://carotids.com/weblogue

VelociNews

http://www.velocinews.com/                                          

Weblogger

http://www.weblogger.com/

Blogger 

http://www.blogger.com.br

Manila

http://www.weblogger.com

Lia Caldas

www.liacaldas.com/speed

Live Journal

http://www.livejournal.com

GreyMatter

http://noahgrey.com/greysoft

Diaryland

http://www.diaryland.com/

Desembucha

http://www.desembucha.com

Justin Hall

http://www.links.net

Conga

http://congacongaconga.gnutella.com.br/

Natacha Merrit

http://www.digitalgirly.com

Notícias sobre Diários

http://www.larkfarm.com/wlm/other_media.htm

Carolyn Burke

http://carolyn.org/

 

 

Site sobre Webcams

 

Camarades Live Webcam Community

http://www.camarades.com

Concatenum

http://www.concatenum.com

Trojan Room Coffee Machine

http://www.cl.cam.ac.uk/coffee/coffee.html

NY-Taxi.com

http://www.ny-taxi.com

JenniCam

http://www.jennicam.org

EarthCamTV

http://tv.earthcam.com

Anacam

http://anacam.com

Webcam Central

http://www.camcentral.com

Webcam Resources

http://www.webcamresource.com

Steve Mann

http://wearcam.org

Public Webcams

http://www.webcamwarehouse.com/

 

 



[1] Este artigo foi apresentado na Conferência Internacional Cultura das Redes, realizada pelo Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens da Universidade Nova de Lisboa. O autor viajou a Lisboa com apoio do CNPq/MEC.

[2] André Lemos (alemos@ufba.br) é Doutor em sociologia pela Sorbonne, Professor da Faculdade de Comunicação da UFBa, Brasil; Editor da revista 404nOtF0und, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Cibercultura (Ciberpesquisa – http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa), autor de diversos artigos e livros sobre a cibercultura, consultor da CAPES, CNPq e Fapesp.

[3] Weblogs são serviços de atualização de sites pessoais ou coletivos. Ver www.blogger.com 

[4] Ver, por exemplo a página pessoal do autor “Carnet de Notes” em http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos, e o site coletivo internacional de ciberliteratura, “Janelas do Mundo”, em http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/janelas .

[5] http://ring.cabaretvoltaire.com/arredores/